6.9.06

borr.acharia

A frente da borracharia deve ter mais ou menos onze metros, com uns dois e meio de profundidade. As telhas de amianto sobre a estrutura de ripas cobrem os pneus que, empilhados, escondem as paredes.
O atendimento é ali, meio na borracharia, meio na calçada, o que complica um pouco o trânsito quando tem fila de espera.
A borracharia está lá há anos, eu não conhecia o bairro, mas conheço quem conhece, e estes dizem que sempre esteve lá, do mesmo jeito que é hoje. O Alemão, da borracharia do Alemão, sempre ocupado, atendendo cliente ou no seu projeto de reconstrução do que era uma Brasília. Sempre há uma visita de algum familiar, irmã, sobrinhos, não sei se é casado.
Certa vez, levei na borracharia um pneu de carro que estourei pelo lado ao bater na guia, ele arrumou rapidinho e a um preço justo, de acordo com sua fama.
No domingo passado, com o sol que abriu, criei coragem e peguei as duas velhas bicicletas para dar uma volta com a Pri. Os pneus vazios, seriam cheios no posto na frente de casa, se não estivesse fechado. Foi passando em frente a borracharia, que o Alemão se ofereceu para enchê-los. Parou o que estava fazendo e encheu os quatro pneus, comentando o carinho que tem por bicicletas, por ser o seu principal transporte. Percebeu a ferrugem nas correntes e foi buscar um balde de graxa para azeitá-las.
Voltou aos seus clientes, desaparecendo entre os pneus sem nem pensar em qualquer remuneração pelo favor com as bicicletas.
Mais do que serviço rápido e preço justo, o Alemão sobrevive por sua beleza.
Não é expansivo, não é tagarela e nem pretende ser comediante, como muitos dos que atendem clientes no negócio próprio, mas transmite através do olhar, da forma como te trata feito um velho conhecido, a verdade sobre a vida. Não sei que verdade é essa, mas sei que ele a possui, e derrama aos poucos em quem o conhece.
Tomara que este bairro nunca seja inteiramente asfaltado, que os buracos e os pregos, continuem espalhados pelas ruas.