8.8.06

memória

Chego agora aos campos e às vastas zonas da memória, onde repousam os tesouros das inumeráveis imagens de toda a espécie de coisas introduzidas pelas percepções; onde estão também depositadas todos os produtos do nosso pensamento, obtidos através da ampliação, redução ou qualquer outra alteração dos sentidos, e tudo aquilo que nos foi poupado e posto à parte ou que o esquecimento ainda não absorveu e sepultou. Quando estou lá dentro, evoco todas as imagens que quero. Algumas se apresentam no mesmo instante, outras fazem-se desejar por mais tempo, quase que são extraídas dos esconderijos mais secretos. Algumas precipitam-se em vagas, e enquanto procuro e desejo outras, dançam à minha frente com ar de quem diz: "não somos nós por acaso?", e afasto-as com a mão do espírito da face à recordação, até que aquela que procuro rompe a névoa e avança do segredo para o meu olhar; outras surge dóceis, em grupos ordenados, á medida que as procuro, as primeiras retiram-se perante as segundas e, retirando-se, vão recolocar-se onde estarão, prontas a vir de novo, quando eu quiser. Tudo isso acontece quando conto qualquer coisa da memória.
(Santo Agostinho apud Le Goff, 1966, p.41)